quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O preto e branco de Charlie Chaplin



Ainda me lembro, quando era miúdo, dos filmes de Charlie Chaplin, mais conhecido como Charlot. Nos dias que correm é comum pensar-se que tudo é mais complicado, que as coisas não são a "preto e branco", que não há o bom nem o mau, e que no fundo são tudo bons rapazes numa realidade nebulosa. Eu próprio penso não haver realidades a preto e branco, mas constato coisas que ultrapassam a minha imaginação. A minha imaginação concebe o mundo um pouco como uma espécie de conjunto de pacotes estanques, arrumados em prateleiras, as quais se elevam em função do nível social actualmente aceite, onde pouco mais acontece do que aquilo que se está à espera. Situações como as dos filmes de Charlot são isso mesmo, cenas cinematográficas de cariz puramente histórico, pelo menos assim penso eu e muita gente.
No entanto, ponho-me a visualizar uma emigrante, cuja família se encontra a passar férias no seu país de origem. Esta mulher, cujo trabalho precário muito comum, lhe rende 500 Euros por mês graças a alguns sábados, domingos e feriados, fica em Portugal sozinha a trabalhar. Imagino-a numa casa de condições ideais para um filme de Chaplin, e que por isso não se enquadra em nenhum filme actual de nível reconhecido, a cores portanto. Até aqui, sai-nos da boca um "pobre coitada", uma pobre coitada a usar um acesso net, seguido de muitos acessos net anteriores sem pagamento continuado, um novo acesso net, que não se espera duradouro por falta de pagamento, cujos motivos se enquadram nesse tal filme a preto e branco, onde a pobreza, mais uma vez, assume as suas próprias razões. Só quando sentimos a sua alegria no fim dum dia de trabalho, perante a sua família, perante a sua filha ou filho, quando vemos um Skype a ser usado duma forma tão familiar, e ao mesmo tempo tão contra natura numa óptica meramente comercial, percebemos até que ponto pobre é aquele que segue as regras puras da aceitação de mercado! Sim, isso mesmo, aceitação de mercado, o mercado que num espectro de cores que se aceita e que esconde todo o sentimento daquela mulher que verdadeiramente o não respeita, toda uma amizade que não precisa de cores para se fazer sentir. Podemos até comparar esta casa, a preto e branco, com uma outra colorida, cheia de adereços, de perfumes, de decorações exuberantes, mas de habitantes frios, cujo sorriso deve ser bem medido, bem pensado, pois tudo é business, tudo tem um preço e está bem compartimentado (conta, peso e medida), e nesta casa de cores perfumadas que eu estou a imaginar, sente-se o cheiro da traição, a traição da empatia, a traição dos sentimentos mais simples, a traição do próprio indivíduo e do seu próprio sofrimento, pois a cor assim o exige. A cor dos comprimidos que se vendem, para se sentir uma amostra do que se pode sentir sem essa mesma cor, a cor dos recibos que se dizem verdes, dos anúncios que enchem as casas com mais cor, cor falsa que oprime e que tem na sua essência a mentira que a suporta. É com satisfação que eu sei, haverem pobres, cujas posses transcendem as dum falso rico de sonhos dignos dum episódio da Floribela. No fundo, o que eu quero concluir desta pequena história, é que o pior pobre é aquele que pensa não o ser, aquele que diz: "Pessoal, tenho um iPhone. É pá, não mexam muito que me custou os olhos da cara".

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