domingo, 28 de setembro de 2008

Boas e más acções


Abraham Sacrificing Isaac por Laurent de La Hyre, 1650

Normalmente, classificamos uma acção como boa ou má de acordo com o indivíduo que as exerce. Assim, quando nos deparamos com alguém que faz uma boa acção, dizemos tratar-se dum bom exemplo, um exemplo a seguir. Pelo contrário, quando nos deparamos com uma má acção, tendemos e repugná-la e a considerar o indivíduo originário como alguém desajustado, ou seja, um mau exemplo.
Sempre considerei mais interessante e importante o que se desajusta do que o que se ajusta, pois com o primeiro podemos inferir muito mais sobre o que suporta essas mesmas acções. Mas o que há de realmente significativo numa má acção, não são as suas consequências, mas sim, as suas causas, e até que ponto estas más acções, não são mais do que o preço a pagar por um qualquer modelo ideológico que se pretende suportar, sendo desta forma uma espécie de sacrifício.
Antes de pensarmos em modelos ideológicos, que são produtos civilizacionais, pensemos em estratégias comportamentais, que vão para além dos primeiros. Numa óptica de estratégia comum, uma acção só pode ser considerada de má, caso a estratégia que lhe deu origem, representar uma população adoptante numa situação desfavorável face a outra população seguidora de diferente estratégia.
Neste sentido, e apesar da gravidade dos actos dum individuo, estes só serão desvantajosos ou verdadeiramente puníveis, caso a população seguidora da estratégia comum que lhe deu origem, considere esses mesmo actos suficientemente caros ao ponto de se sobreporem aos benefícios do mantimento dessa mesma estratégia. Por esta ideia ser de difícil aceitação, em vez de estratégias, abordaremos antes as ideologias, que são de compreensão mais aceitável.
Uma ideologia não é mais que uma ideia da realidade. Mais ou menos elaboradas, têm por objectivo transformarem-se em standards comportamentais, e nesses sentido, são o pilar de qualquer civilização, pois não são uma consequência duma estratégia natural, mas sim, um artifício humano na tentativa de contornar os prejuízos da lógica natural.
Consideremos portanto uma ideologia como uma modelo da realidade. Como se sabe, todos os modelos são uma simplificação, desta forma contêm em si um erro, sendo este majorado em função da complexidade do modelo. Este erro pode e dá origem a um resíduo ideológico, o qual mede a justeza dessa ideologia. Assim, mais uma vez, as ideologias só podem ser consideradas boas ou más, comparativamente com a capacidade de representação de outras ideologias, e essa comparação pode-se basear no seu resíduo ideológico.
Consideremos por exemplo a regressão múltipla de acordo com a seguinte fórmula:



Nela temos y_i como sendo a realidade que se quer explicar, igual ao somatório (sigma) como sendo o modelo ou ideologia explicativa, mais o erro (épsilon) do modelo explicativo. Este modelo linear, ao prever limitações explicativas, é muitas vezes usado na explicação de dados com base noutros, não se rejeitando tal explicação sempre que certos critérios sejam observados.
Se se estiver a questionar, se poderá haver uma ideologia tal que seja completa, a resposta é não, pois se por definição (incompletude de Gödel) não pode haver uma lógica completa, por inerência, não o poderá, uma ideologia completa. No entanto, tal não significa que a ideologia deixa de ter a sua utilidade, de facto, é ela que destaca a humanidade da lógica natural.
Existe verdadeiramente uma enorme valor económico associado a uma ideologia. Todas elas possuem os seus próprios corpos evangelistas, na procura de fazer da sua ideologia o verdadeiro standard. Este corpo evangelista é o principal dependente da saúde da ideologia que suporta, sendo qualquer ataque a ela uma verdadeira ameaça ao seu status quo.
Certos colapsos económicos são-no não tanto pela realidade económica e concreta das suas finanças, mas mais pelas consequências ideológicas que dai advêm. Pode ter consequências muito maiores a queda duma ideia ou concepção da realidade do que a simples falência dum grande número de empresas ou qualquer outro colapso financeiro. Pois é a primeira que leva a uma verdadeira mudança de poderes e não a segunda. Trata-se da constatação da limitação duma ideologia, e não das suas concretas dificuldades práticas, que lavam à sua morte como conceito útil. Neste sentido, as chamadas más acções, superam em custos as vantagens da manutenção da ideologia que as gera como resíduo ideológico.
Num sentido mais lato, pode-se dividir o mercado como aberto e fechado (negro), onde o primeiro é do domínio público e o segundo do domínio privado. A saúde duma economia pode muito bem ser medida como sendo o rácio entre estes dois mercados. Quanto maior for o mercado fechado face ao aberto, menor será a população satisfeita pelo último. Assim, fenómenos naturais como o rico fica mais rico, fazer-se-ão sentir com mais intensidade num mercado dominantemente fechado, resultante da possível simplicidade do modelo ideológico.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

AIG dispõe de um dia para angariar 80 mil milhões de dólares e evitar a falência

A economia americana está de rastos! Mas ainda há quem veja tudo isto como um mero fenómeno conjectural, algo que se espera vir a ser resolvido por si a seu tempo. O grande problema, reside no facto da situação actual representar o colapso duma ideia económica. A ideia económica suportada por homens como Greenspan, que apostaram e suportaram a desregulação da economia, desregulação posta em prática na Rússia de Iéltsin e posteriormente no Iraque pós Saddam. A ideia de que uma civilização pode florescer do puro oportunismo dum bom negócio, é um fracasso à vista.
Se se for sério acerca da economia, não se podem suportar ideias miraculosas de criação de riqueza. A riqueza quando abstraída das suas fontes, e vista duma perspectiva puramente burocrática, leva ao ciclo vicioso da não sustentabilidade, constatada e reforçada pelos presentes acontecimentos financeiros.
Para além da Guerra do Iraque, que contribuiu fortemente para um desvio da riqueza pública americana, os instrumentos económicos no mantimento da estabilidade duma economia, como sejam fundos de investimento, seguros, empréstimos, reservas monetárias entre outros, passaram a ser eles próprios instrumentos ao serviço duma economia de mercado, regulada exclusivamente pelas mais elementares regras da oferta e da procura.
A verdadeira preocupação não reside nas falências em si mesmo, mas no facto de estas serem o resultado duma realidade acumulada ao longo de anos, anos de uma ideia que teve o seu grande início com o economista e prémio Nobel Milton Friedman. Estas ideias começaram por corromper grande parte das economias externas dos países do terceiro mundo, acabando na história recente, por corroer as economias dos do primeiro. Assim, as convulsões políticas vividas nesses países de experiência piloto, não foram mais do que um prelúdio do que pode muito bem acontecer nos países que as difundiram. Numa economia mundial cada vez mais interligada, e onde a ignorância felizmente já não abunda, esses países inicialmente mais atrasados, perceberam que as suas economias não se podem sustentar em iluminismos hipócritas, mas sim, na real capacidade económica do país e na sua sustentabilidade.
Na economia mundial, que nunca esteve tão interligada, não existem acontecimentos isolados, e desta forma, o efeito dominó que tanto se teme poderá bem ser uma realidade. Resta saber, quando irá a população americana acordar do seu delírio económico.