terça-feira, 4 de março de 2008

Bens e Contratos

O que fará alguém fazer o que faz, o que fará com que certas coisas aconteçam, coisas que simplesmente não percebemos, ou simplesmente não queremos perceber. Há vários exemplos de acontecimentos que nos deixam perplexos, o assassinato de alguém, o abandono de alguém, ou de uma forma mais positiva, os relacionamentos que não se esperam mas que nos aprazem.
Grande parte das interrogações, partem duma forma de pensar que assenta na compensação monetária. Quando se fala na qualidade de vida, tende-se a pensar que esta é redutível a uma quantidade monetária, uma espécie de unidade absoluta.
A pergunta que se pode fazer é a seguinte. Haverá pagamentos que se podem fazer apenas em géneros, ou em bens? Ou melhor, haverá contratos cuja compensação única se abstrai de qualquer unidade geral humanamente replicável? Basicamente o que é um contrato?
Sobre contratos muito já se escreveu, mas não deixa de ser uma boa forma de dar resposta a muitas perguntas. A resposta típica de dicionário é:
Acordo feito entre duas ou mais pessoas que transferem entre si algum direito ou se sujeitam a alguma obrigação.
O exemplo típico é o contrato de trabalho, uma pessoa (caso individual) acorda, em troca de uma taxa, desempenhar determinados serviços definidos directa ou indirectamente nesse mesmo contrato. Alguém que compra um produto, está a celebrar um contrato com o vendedor, havendo inclusive normas que regem este tipo de contratos, chamados de consumo.
O grande problema com a palavra em si, é o de que a sua interpretação se resume à que envolve transferência monetária. Ninguém dirá à partida, que um casal de namorados está a cumprir o contrato implicitamente estabelecido. Dirá outra coisa.
No entanto, se nos abstrairmos de qualquer transferência monetária, veremos que num simples sorriso pode estar um grande contrato, num simples sorriso pode estar uma grande amizade, num simples sorriso pode estar algo que se quer, algo que é querido.
O próprio sorriso, é uma característica intrinsecamente humana, pelo menos na forma como o conhecemos. Ele próprio representa um esforço físico não muito diferente de qualquer outro, podendo assim, ser melhor desempenhado dependendo da satisfação que representa. Esta satisfação não terá de se basear em realidades presentes, ou de facto, podendo também basear-se em futuras realidades, dependendo claro está, da esperança que lhe está associada.
Um custo para o sorriso? Um custo para uma conversa agradável? Um custo para uma noite de copos? Um custo para um jogo de football? Vamos tentar perceber através da ausência de pagamentos típicos.
Para começar, vejamos custos e receitas não do ponto de vista monetário, e não do ponto de vista imediato. Ou seja, tomaremos forte consciência do Bem como aquilo que se deseja, e do tempo como a base da sua negociação.
O grande desafio começa pelo derrube da transparência, em que a naturalidade de certas relações torna tudo demasiado contínuo e monolítico. Comecemos pela seguinte frase:
As pessoas alegres tendem a viver mais.
À primeira vista, devido à transparência das relações, pensaríamos que, as pessoas que são mais alegres têm como recompensa uma vida mais longa. No entanto esta frase é omissa, ela não reflecte o factor intermédio, devido à transparência da alegria. Se como alegre se entender, alguém cujo contrato de vida é satisfatório ou bom, e tende assim, a viver mais (tal como tende a trabalhar mais aquele que para tal seja justamente pago), teremos uma ideia mais correcta da frase anterior.
Tentemos dar uma definição mais lata para custo e receita. Assim temos, que custo é tudo o que se despende, e receita tudo o que nos é despendido, e assim, nos permite despender mais. Temos então uma heurística, na qual a cooperação recíproca nos revela um bom investimento, ou um mau, no caso contrário.
A experiência, que leva uma pessoas a ser considerada alegre ou triste, nada mais é do que a maturação de personalidades. Um adolescente tem um comportamento diferente dum adulto e um adulto de um idoso, eles estão assim segregados. Todos se ajustam através dos seus comportamentos, e por forma a evitarem maus investimentos, recorrem a simulações da realidade, que heuristicamente desenvolvem ao longo da vida. O ambiente torna-se desta forma, num selector de bons e maus comportamentos.
Se pensarmos estritamente no ambiente, bem é o que sucede, e mau o que não. Mas a sociedade faz parte integrante desse mesmo ambiente, e esta tende a definir conceitos mais elaborados para o bem e para o mal. Em nome da simplicidade, podemos chamar-lhes artificialismos, pois representam uma intervenção humana.
Estes artificialismos, inerentes à sociedade, definem um bom cidadão como aquele que coopera, e um mau como aquele que deserta. O interessante, é que dificilmente estas classificações serão consequência estrita do chamado cidadão. Provavelmente tal será impossível, devido à própria lógica de cidadania. Assim, no que se refere à justiça, pode ser justificável a não cooperação do cidadão, naquilo que se transformou num mau contrato, constatado por uma série de maus investimentos, que ultrapassaram o intervalo de tempo, no qual, a maturidade ou experiência do mesmo cidadão pode comportar.
Será a tolerância algo de novo ou diferente? O que é a tolerância?
Antes de mais, a tolerância é um facto, não adianta estar contra ou a favor. Faz parte da resiliência de qualquer contrato. Mas a tolerância tem os seus limites, fora dos quais nasce o conflito ou seja a deserção. O que parece ser algo de diferente, nada mais é do que uma forma de investimento de que se falou no início. A tolerância é um facto, na medida em que ela própria representa um investimento, cuja recompensa, se espera no prazo temporal definido pela experiência de quem a suporta.
Sendo a experiência, e maturidade diferente entre ambas as partes, haverá necessariamente, um mínimo múltiplo comum, a partir do qual, o contrato perde validade efectiva. Nestes casos, não é apenas justo, como inevitável, que as bases do mesmo contrato deixem de ser cumpridas.
Como bases de contrato podemos incluir tudo, desde, a distância ao ginásio vs o sedentarismo, o romper vs continuar dum namoro, a continuação dum curso de inglês, até à simpatia com um filho, e à compra ou não da sua primeira bicicleta.
Para terminar, devo assinalar, que tudo o que escrevi não passa duma simplificação da realidade, não se devendo levar à letra, na medida em que, a grande maioria das nossas acções sustentam-se em automatismos, que já deram provas de serem bem mais proveitosos. Não obstante, ser interessante a abordagem de certos temas noutra perspectiva.